Sala de Jantar

Os olhos estavam fixos nas folhas em sua frente.
Isaquiel esperava ansioso pelo o chá em que Clarisse o havia prometido. Como de costume, era normal que estivessem sempre ao dispor um do outro. Quando menos esperou, os longos fios dourados de Lisse ultrapassaram sua visão, junto com duas xícaras que ferviam em seus dedos.
Ela o olhava atentamente, esperando que começasse a falar. Isaquiel tentou não a encarar por muito tempo, constatando o que poderia vir a demonstrar. Pegou um dos milhares de papeis que estavam em suas mãos e encontrou o que especificava o problema.
- Não vamos tornar as coisas piores, Clarisse, mas entenda que estamos em beira a um colapso—Ele apontou para a folha que continha todos os dados internos em relação aos utensílios de sobrevivência, indo em direção aos alimentos—O inverno está chegando e as plantações estão morrendo. A chuva não ajuda muito e nossos expedidores andam tendo um pouco de dificuldade em encontrar algo que ainda esteja inteiro fora das fronteiras.
Pegou outra folha, onde continha o nome de todos os cadastrados na Capital. Observou com atenção enquanto os olhos de Clarisse abriam-se em pavor, e então suspirou—Eu sei, o número de mortos está subindo a cada dia. Para não tornar-se as coisas um tumulto, decidi ficar em silêncio por um tempo. Mas precisamos achar uma forma de não dizimar a população nesse inverno.

O toque de Clarisse era reconfortante. Por alguns segundos os problemas da Capital não pareciam tão ruins assim, entretanto, não podia por alguns quesitos acima da vida dos refugiados, tinha de agir como um líder. Isaquiel levantou-se, indo em direção a uma estande ao canto da sala e pegando um pequeno vidro de vinho, e trazendo-o a mesa.
- Já os enviamos até o fim de Oregon, e mesmo que encontremos outros centros comerciais na cidade, ainda assim seria muito pouco para alimentar toda a capital—Ele depositou o vinho sobre o chá, trazendo-o aos lábios e bebendo aos poucos—Poderíamos os mandar até a Califórnia. Seria um preço realmente caro a se pagar, constatando que a quantidade de andadores dobrou nos últimos meses. As chances de passarem despercebidos são mínimas.

O descontentamento de Clarisse era perceptível. De relance, percebera o quão opostos eram de um ao outro, e por algum tipo de razão, isso havia funcionado de uma maneira exemplar durante o tempo em que governaram lado a lado.
Seus olhos fixaram-se nas folhas em sua frente. Mandar outros expedidores poderiam ser um risco grande. Sistemas por satélite iriam tornar-se petulantes em questão da chuva. Seus olhos encontraram-se com o da loura, e desviaram-se com facilidade, pairando na chuva que cobria as janelas.
- Eu vi com meus próprios olhos Califórnia, Clarisse. Você não estava lá quando fomos cobrir espaçamento—Tornou a encara-la—Mesmo que consigamos essas rotas, ainda assim não há garantias de sobrevivência. Mas por outro lado, não temos outra escolha, ou então seremos tomados por uma onda de andadores por estas regiões.
Levantou-se frustrado. Encostou o corpo na estante, enquanto seus ombros desciam em um suspiro—Qual foi a última vez ouvimos algo sobre Montana e Idaho? Devem estar tomadas por andarilhos famintos. Mas podemos usar essa tática, entretanto, não poderemos levar isso como uma escolha aos expedidores e guardas. Temos de opor novas regras e um sistema para termos comida o suficiente até a volta do grupo.

Sentiu novamente o toque de Clarisse em suas costas. Ela estava próxima o suficiente dele, e podia ouvir o seu coração acelerado. Isaquiel não moveu-se, deixou-a estar ali. Aqueles eram os raros momentos que tinham de estar próximos um ao outro, pois embora estivessem governando a capital, ainda assim, só tinham um ao outro.
- Irei providencia-los, Lisse—Isaquiel pronunciou baixinho, enquanto seu corpo aliviava-se em outro suspiro—Sinto muito pela a garota...
Virou-se em direção a ela, com seu rosto próximo o suficiente, podendo sentir a respiração quente de Clarisse chegar em seu nariz. Isaquiel aproximou-se dela e então desviou o olhar, direcionando-se novamente para a mesa.
- Temos de reunir todos os expedidores e guardas, selecionar os melhores e os envia-los antes do fim do mês. Com a chegada do inverno, as ruas estarão dispersas em neve. Não queremos tomar o risco de pisar em cima da boca de um morto-vivo e perder uma perna.

Isaquiel permaneceu em silêncio, pensando no que Clarisse havia proposto. Seus olhos se encontraram, mas ele não sorriu—É uma ótima ideia.
Levantou-se com cuidado e aproximou-se de Clarisse, colocando uma de suas mãos na nuca dela. Podia ver a preocupação esvaziar-se em seu olhar. Isaac achava aquilo tudo meio confuso, pois era difícil para si próprio abrir-se, quando Lisse possuía tanta facilidade.
- Tudo bem ter me contado—Ele disse, embora sua voz tenha saído baixo—Não podemos deixar que ninguém mais morra. Eu irei buscar os medicamentes, se for preciso.
Então algo muito estranho aconteceu. Isaquiel tomou-a pelos braços e levou seus lábios aos dela. O beijo durou mais do que havia esperado, e quando seus corpos estavam novamente distantes, ele se deu conta do que havia acontecido. Pegou sua xicara de chá e a garrafa de vodca, não olhando-a nos olhos novamente.
- Bem, acho que terminamos aqui—Falou, enquanto direcionava-se ao outro cômodo.